A criança por ainda estar em pleno desenvolvimento emocional e cognitivo, não possui recursos simbólicos suficientes para expressar-se complexamente no mundo pela via da fala, por conta disso, ela consegue através dos jogos e brincadeiras, representar as situações vivenciadas em sua dinâmica social e familiar, ressignificando estes acontecimentos e lhes atribuindo algum sentido.
O principal objetivo da atividade lúdica é o de propiciar à criança, a construção de mecanismos psíquicos que a possibilitem de elaborar simbolicamente os acontecimentos através da fantasia e representação da realidade, favorecendo assim o seu desenvolvimento e a aprendizagem.
Ao brincar a criança integra sua vivência passada, suas lembranças e fantasias, seus medos e desejos no presente, através de uma reformulação pessoal e criativa. Existe uma íntima relação da brincadeira simbólica com as demais manifestações simbólicas como a linguagem, a imitação e o desenho.
O homem, ao longo da História foi interiorizando cada vez mais a sua ação, desvinculando-a do concreto, de modo que pudesse ser mais significativo para si, buscando e encontrando meios de atingir seus objetivos com menor esforço físico e maior atividade mental. A busca ativa sobre o meio, físico, também desenvolveu e transformou sua maneira de perceber o mundo, fazendo com que ele refletisse de forma cada vez mais abstrata sobre a realidade. Usamos imagens para descrever um fato ou para representar uma hipótese. Aprender a lidar com as imagens foi uma lenta e árdua conquista do homem, que antes de aprender a organizá-las em sistemas, aprendeu a formá-las isoladamente. Ele tornou-se capaz de representar o ausente, o não percebido e a fazê-lo de diversas maneiras. A origem do símbolo está intimamente ligada à magia. Na função verbal, as palavras possuem poderes mágicos sobre o nomeado, o significado.
O simbolismo em seu início está preso ao mundo físico. Sujeito, criação, representação e imitação se unem e se complementam na formação do símbolo. Nesse processo não há a possibilidade de representação desvinculada da ação do sujeito sobre o objeto. Quando o símbolo perde o seu caráter funcional de interação entre homem e meio, ele se torna um sinal ou sintoma de alienação, um alerta de que o processo de adaptação está em desequilíbrio, se desvirtuando pela desvinculação significativa da relação sujeito-objeto.
Num primeiro momento, a brincadeira não apresenta um objetivo educativo ou de aprendizagem pré-definido. É desenvolvida pela criança para seu prazer e recreação, mas também permite a ela interagir com os adultos e explorar o meio ambiente. Ao brincar a criança começa a fazer um teatro ritualístico das situações mais significativas de sua vida: na hora de dormir, do banho, de se despedir, de comer, etc. Esse rito conta com a participação de algum objeto ou pessoa muito significativo para ela. Os objetos ou situações intermediários entre a criança e o outro, são simbolicamente a continuação do cordão umbilical e ao mesmo tempo, propiciadores de condições favoráveis ao processo de separação saudável entre o eu e o objeto (bebê/mãe), que Winnicott (1971) chama de objetos ou fenômenos transicionais. Essa consciência elementar de si mesmo, do eu-corporal num contexto histórico e espaço-temporal, é que dá condições para a criança internalizar as experiências vividas, onde ela passa a representar sua ação internamente e a se utilizar de manifestações simbólicas para interagir com o meio, lembrando de algo sem precisar vê-lo.
Cada ser humano é marcado pela relação real que tem com seus pais e por conta disso, também cria uma imagem do homem e da mulher complementares, emprestada simbolicamente destes pais ou por quem os criou. A partir do empréstimo imaginário dos pais reais, o sujeito vai se constituir e se desenvolver, identificando-se com essas imagens e figuras parentais projetadas.
Dialeticamente desejo e inteligência estão implicados, através da manifestação de um corpo infantil que mostra a sua relação com o mundo enquanto brinca. É através da brincadeira que a criança mostra de que forma está construindo sua história e organização no mundo. A criança através de sua brincadeira também mostra quando se trata de diagnosticar uma enfermidade, quais são as fantasias inconscientes de cura. O não brincar também indica a presença de alguma patologia, como é o caso de um sintoma de neurose grave.
De acordo com Oliveira (1997) a clínica mostra que muitos adultos que não tiveram a possibilidade de elaborar situações dolorosas ou traumáticas ao longo da infância e que hoje são “aparentemente” normais também não haviam brincado e que a ausência do brinquedo certo no momento adequado, acarreta perturbações. O fato de não surgir um determinado brinquedo característico de uma determinada idade, pode ser um sinal de problema no desenvolvimento. O aparecimento e o desaparecimento de um modo de brincar se relaciona a maturação e ao desenvolvimento da criança.
Winnicott (1971) afirma que o brincar facilita o crescimento e a promoção da saúde, o não brincar pode significar que a criança esteja com algum problema e que isso prejudicará diretamente em seu desenvolvimento. O mesmo também se aplica aos adultos, quando não se permitem vivenciar situações lúdicas em momentos de descontração, lazer e expansão da criatividade. Para o autor, quando um adulto inibe ou proíbe as brincadeira das crianças, ele causa a privação de experiências num momento importantes de suas vidas. Ele afirma:
“É a brincadeira que é universal e que é própria da saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação...” (WINNICOTT, 1971, p.63).
Para Winnicott (1971) há uma evolução direta dos fenômenos transicionais para o brincar e as experiências culturais. O brinquedo se aproxima do sonho, reestruturando conteúdos inconscientes e adquirindo formas oníricas de lidar com a realidade interna sem perder o contato com a realidade externa.
A visão piagetiana considera o jogo como sendo de fundamental importância para o desenvolvimento humano, afirmando que a atividade lúdica é o berço obrigatório das atividades intelectuais da criança, sendo por conta disso, indispensável à prática educativa. Os jogos estimulam funções cognitivas importantes para o aprendizado, tais como: memorização, articulação, percepção visual, raciocínio lógico e abstrato, enumeração, etc.
O brincar traduz o mundo para a realidade infantil, propiciando a criança o desenvolvimento da sua inteligência, sensibilidade, habilidades, criatividade, além de aprender a socializar-se com as outras crianças e com os adultos. A brincadeira e o jogo, assim como os momentos de lazer, são fundamentais nesse processo e devem acompanhar a criança na escola para a manutenção da sua saúde física e emocional.
Por Aline Debatin
Psicóloga e psicopedagoga
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
OLIVEIRA, Vera B. O símbolo e o brinquedo: a representação da vida. Petrópolis: Vozes, 1992.
OLIVEIRA, Vera B. Avaliação Psicopedagógica da criança de zero a seis anos. Petropolis, 5ª Ed., 1997.
PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. Trad. Por Dirceu Accioly Lindoso e Rosa Maria Ribeiro da Silva. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1976
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1971