"Educar é mostrar a vida a quem não a viu".Quero ensinar as crianças, elas ainda têm olhos encantados. Seus olhos são dotados daquela qualidade que, para os filósofos gregos, era o início do pensamento: a capacidade de se assombrar diante do banal". Rubem Alves

sábado, 11 de junho de 2011

Análise crítica do artigo: “Sobre a relação entre Educação e Psicanálise no contexto das novas formas de subjetivação. (MACIEL, 2005)

Análise crítica do artigo: “Sobre a relação entre Educação e Psicanálise no contexto das novas formas de subjetivação. (MACIEL, 2005)
          
           Maciel (2005) em seu artigo sobre a relação entre Educação e Psicanálise no contexto das novas formas de subjetivação, pretende analisar e discutir com referência em alguns textos freudianos e de outros autores mais contemporâneos, como seria possível unir a prática educativa à psicanálise, que se consiste como uma teoria do inconsciente, um método de investigação com conceitos sistematizados sobre o funcionamento da vida psíquica, fundada por S. Freud (1856-1939), que se caracteriza como uma forma de intervenção e tratamento pela análise, visando o auto-conhecimento.  
           Neste sentido, qual seria o papel do educador na contribuição do desenvolvimento das novas formas de subjetivação, que pelo contexto da psicanálise, buscaria a construção efetiva de sujeitos mais empáticos, autônomos, singulares e criativos?
         Antes de refletir sobre tal questão, podemos pensar de forma breve também sobre a concepção histórica em relação ao papel da família, cultura, sociedade e escola ao longo dos tempos.
          Sabe-se que o aprendizado e a construção do conhecimento não são adquiridos somente na escola, mas também através da dinâmica da relação da criança em contato com os diversos estímulos e mediadores sócio-ambientais (família, sociedade, etc.) desde os seus primeiros dias de vida. É através dessa dinâmica que a criança é inserida no mundo cultural e simbólico, onde começa a construir seus conhecimentos e saberes.
          O homem é um ser social que necessita das relações e que se sabe como sujeito, construindo sua subjetividade e processo identificatório a partir dessa dinâmica de interação com o meio ao qual ele está inserido. Ele tem uma relação de interdependência com o sistema, recebendo influências e interferindo nele também. Nesta lógica, toda ação humana passa a ser modelada conforme os determinantes culturais, políticos e sociais. Por outro lado, o homem é um ser dotado de linguagem, em constante mutação, que idealiza, faz projetos e que vive mergulhado num universo simbólico, com o poder de criar, transformar e se constituir a partir da abstração do pensamento.
             Historicamente, cultura, ideologia e poder sempre estiveram fortemente relacionados e a escola foi considerada uma instituição que tinha como função principal a de transmitir e representar os conceitos dessas instâncias. O sistema escolar sempre reproduziu os preceitos das classes sociais dominantes, garantindo a sua perpetuação, baseando-se nas relações de domínio e subordinação.
       O conceito de cultura foi aceito sem maiores questionamentos como sendo tudo aquilo que a humanidade havia produzido de melhor em termos materiais, artísticos, filosóficos, científicos, literários. A modernidade ficou mergulhada num modelo monocultural, onde a educação sempre foi entendida como um caminho para se atingir o mesmo sucesso alcançado pelos grupos sociais mais cultos e privilegiados. Dentro dessa perspectiva, a educação escolarizada deveria ser a mais homogênea, padronizada, previsível, segura e menos ambivalente possível, se construindo num processo de transmissão da cultura com seus valores, normas, atitudes e representações, cuja principal função era a de reproduzir a ideologia dominante, além de preparar o homem desde a infância, através de longos anos de aprendizado e formação, para ser produtivo e ingressar no competitivo universo capitalista do trabalho. O que menos se pensava dentro dos espaços de escolarização, com base nesse modelo e perspectiva, era na constituição de um sujeito singular, capaz de pensar, questionar, interagir, dotado de um potencial criativo, simbólico, empreendedor e transformador.
              No passado, muitas gerações se constituiram dentro desse contexto educacional que preconizava a uniformização, a ordem, a disciplinarização e a homogeneidade, onde havia o poder legitimado do professor, que era valorizado como figura de autoridade inquestionável, que transmitia conhecimentos de maneira mecanicista para alunos que se condicionavam a decorar e assimilar conteúdos passivamente. Nesse contexto, as relações de poder sempre foram evidenciadas pelo processo de hierarquização e distanciamento entre professor e aluno. O aluno era severamente punido, caso desrespeitasse a ordem, com palmatórias e castigos.
            Nos últimos tempos, a educação no Brasil vem passando por diversos processos e transformações, disciplinas que antes eram atreladas a ideologia militar como: Moral e Cívica, OSPB, etc. foram retiradas do currículo. O Hino Nacional deixou de ser cantado nas escolas. O professor, mesmo ainda sendo uma figura de autoridade, foi aos poucos desautorizado a aplicar esse tipo de punições, de acordo com as novas leis dos Direitos Humanos, ECA, entre outros, que visam à proteção da criança e do adolescente. 
            Por outro lado, e dentre tantos problemas que ainda precisam de uma solução e que continuam no âmbito da polêmica e da discussão pela dificuldade de se agregar teoria e prática, como é a questão da inclusão social, tem se observado algumas mudanças positivas, conforme nos aponta o artigo em referência que sugere uma maior valorização da interação entre aluno e professor, a expressão da criatividade, o estímulo ao questionamento e a participação mais efetiva do educando, levando em consideração a sua subjetividade e singularidade.
           Em relação ao surgimento das novas formas de subjetivação com base no artigo de Maciel (2005) hoje podemos observar que existe uma geração que se apresenta com uma maneira de ser, pensar e de se comportar diferenciada em relação aos jovens e alunos de outras épocas. Neste sentido, é necessário que seja feita por parte dos educadores de forma geral, uma reflexão e compreensão sobre o surgimento desse novo tipo de estudante, que também apresenta capacidades e necessidades específicas, de acordo com o atual contexto sócio-cultural em que estamos vivenciando.
         Maciel (2005) afirma que de acordo com diversos autores das ciências humanas, vivemos em um momento em que se verifica uma série de problemas nos atuais processos de subjetivação com patologias a eles associadas. Dentre eles, ela destaca a “apatia” e a "cultura do narcisismo", e pelos atos de violência observados, sem qualquer objetivo de transformação ou projeto histórico, como ocorria outrora.          Com isso, podemos pensar também nessa nova subjetividade que vêm sendo construída, a partir da relação entre a cultura juvenil e a complexa e crescente rede globalizada sustentada pela mídia e pela tecnologia, com seu forte apelo consumista, que apesar de facilitar a vida moderna, também cria necessidades ilusórias de consumo.
          Observamos, não de forma generalizada, que existe uma crise acentuada de identidade e valores, indiferença, banalização da violência, falta de respeito, limites, orientação, comunicação, afeto, dependência emocional e pobreza de universo simbólico e subjetivo.  Outros convivem num imenso vazio existencial, que tenta ser preenchido pelo consumismo desenfreado, que estimula a cultura do “ter”, da “aparência” (narcisismo), do imediatismo, do individualismo, em detrimento do “ser”, do cultivo da memória para relembrar a história. Também existe uma desmotivação para o aprendizado, um desinteresse pelo auto-conhecimento e pelo “outro”, nos quesitos: alteridade, empatia, solidariedade, compaixão, compreensão, respeito às diferenças, aceitação.           
         As novas gerações estão nascendo já inseridas nesse novo contexto e tudo o que ainda nos causa estranheza por pertencermos a gerações anteriores, para eles já é algo natural. As diferenças existem e precisamos aprender a criar outras formas e habilidades para compreendermos, atuarmos e nos adaptarmos as mudanças da pós-modernidade. Os elementos que sempre foram pensados como sendo componentes invariáveis e norteadores da experiência humana, são na verdade, meras construções sociais que se modificam com o passar do tempo.
          A educação e todos os seus profissionais envolvidos nela (pedagogos, psicólogos, psicopedagogos, coordenadores, etc.) continuam exercendo papel fundamental nesse processo, precisando rever constantemente sobre a sua prática, permitindo novos métodos de abordagem, dentre eles a Psicanálise, como uma forma alternativa de lidar com essa nova subjetivação.
         Conforme Maciel (2005), o entrecruzamento desses dois campos de saber, psicanálise e educação tem uma história marcada por variadas tendências.
          Maciel (2005) cita o livro de Millot (1979) como referência crítica para os interessados nessa ligação, que mostrava uma oposição para a interseção entre educação e psicanálise. Nesse livro, a autora afirmava a impossibilidade de aplicar a psicanálise à educação e que no máximo esta poderia transmitir ao educador uma ética, um modo de ver e de entender a prática educativa.  E de acordo com os ensinamentos de Lacan, a posição de Millot (1979) radicalizava as separações existentes entre esses dois campos porque ela se contrapunha claramente à tradição psicanalítica de se colocar como educadora das pulsões, tendo um objetivo profilático em relação às neuroses. Neste sentido, Anna Freud encaixava-se aqui como uma representante, que colocava tanto educadores quanto psicanalistas num mesmo lugar de suposto saber, onde a análise da criança era associada a medidas educativas, tendendo a transformar-se em Pedagogia.
            Pensando o lado positivo dessa junção, como a Psicanálise poderia contribuir atualmente de forma eficaz na Educação com o surgimento das novas formas de subjetivação?
   Quando a autora cita contribuições de Freud à educação, é vigente a abordagem de transmissão de conhecimento pelo inconsciente (terceira ferida narcísica da humanidade, sendo a primeira o ato de educar e a segunda o ato de governar, como profissões impossíveis de se alcançar um resultado satisfatório). Este conceito de inconsciente é fundamental dentro da teoria psicanalítica, onde os processos mentais se desenvolvem sem intervenção da consciência, não sendo, portanto, passíveis de controle. Portanto, o processo de aprendizagem é uma ação fortemente ligada ao inconsciente, visto que este escapa a nossa pretensão de controle e domínio.
  Segundo Maciel (2005) com base em Freud (1917) o conceito de transferência, (que se estende para além dos consultórios de análise e que perpassa todas as relações) poderia ser aplicado na relação aluno-professor, no qual o discente seria capaz de relacionar-se emocionalmente com seu docente, projetando seus conteúdos inconscientes relacionados às figuras identificatórias parentais e familiares, através do estabelecimento do vínculo e do afeto, onde o professor se colocaria num lugar de escuta, o que facilitaria o processo de ensino e aprendizagem, abrindo maiores possibilidades de se trabalhar o potencial criativo e a singularidade, através da elaboração, re-significação simbólica e atribuição de sentido da realidade vivenciada pelo aluno, pela via da fala, atividade lúdica e também pela questão do desejo, de modo que esta relação estabelecida contribua para o sucesso do processo de aprendizagem de forma terapêutica em sala de aula.
Ou seja, na psicanálise, a transferência funciona como uma potente ferramenta de trabalho, de acordo com a fala de Freud (1914): “... é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres.”
          Outro importante conceito da psicanálise abordado por Maciel (2005) relacionado com a educação é a questão sublimatória, onde a atividade intelectual estaria ligada à pulsão sexual, que nos faz pensar na idéia de que para existir de forma mais saudável na sociedade muitas vezes, faz-se necessário que o indivíduo “sublime os seus instintos”.
        Em relação ainda a questão sublimatória da educação, Maciel (2005) de acordo com os referenciais freudianos, aponta para a questão do educador ter em mente, a preocupação em não cometer excessos, no sentido de inibir o desejo e a criatividade do aluno, correndo o risco de contribuir para formação de sujeitos mecanizados e sem consciência crítica, à mercê da imposição do seu próprio modelo.   
        Segundo Freud, (1914) na educação essa energia que move as pulsões pode ser dirigida para a curiosidade intelectual, desempenhando um papel muito importante no desenvolvimento do desejo pelo saber e aprender.
        Outro ponto positivo que se poderia pensar na junção da psicanálise com a educação, seria a questão da empatia e da alteridade. Através do auto-conhecimento, proposto pela psicanálise, a empatia aconteceria naturalmente como conseqüência da compreensão de si mesmo e da dimensão do outro, isto é, fazendo com que tanto educadores quanto alunos pudessem se colocar no lugar das outras pessoas, para melhor compreender, respeitar e aceitar as suas singularidades e diferenças.
          
Referência Bibliográfica:
MACIEL, Maria Regina. Sobre a relação entre Educação e Psicanálise no contexto das novas formas de subjetivação, 2005.
Acesso:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832005000200009&lng=pt&nrm=iso

Por Aline Debatin
Psicóloga e Psicopedagoga

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário: